sexta-feira, 30 de julho de 2021

BRINCADEIRAS: desenvolvimento infantil

 

 O papel das brincadeiras no desenvolvimento infantil

É inquestionável a importância da brincadeira para o desenvolvimento infantil. Ela está inserida na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sendo um dos seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento da criança: 1. conviver, 2. brincar, 3. participar, 4. explorar, 5. expressar e 6. conhecer-se.

A partir dos seis direitos, a BNCC estabeleceu também os campos de experiência, fundamentais para que a criança possa aprender e se desenvolver:

O eu, o outro e o nós;

Corpo, gestos e movimentos;

Traços, sons, cores e formas;

Escuta, fala, pensamento e imaginação;

Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações.

A brincadeira é, portanto, uma parte fundamental da aprendizagem e desenvolvimento da criança, momento em que ela exercita todos os seus direitos e estabelece contato com os campos de experiência, como protagonista de seu desenvolvimento.

Particularmente, as brincadeiras têm um papel destacado nas Escolas Democráticas, cuja preocupação principal é a adaptação entre as novas gerações e as formas de trabalhar na Educação Infantil.

O que é uma Escola Democrática?

A Escola Democrática é um tipo de escola onde os processos de ensino e aprendizagem têm por princípio a participação das crianças como protagonistas na busca pelo conhecimento e dos educadores como facilitadores e inspiradores dessa busca.

A concepção democrática de escola respeita a criança como ser único que desenvolve seu aprendizado e é sempre capaz de encontrar a melhor maneira para construir seus conhecimentos, respeitando a heterogeneidade e a individualidade da comunidade escolar.

Além disso, propõe o compartilhamento das decisões entre crianças, gestores, educadores, funcionários e pais, inserindo toda a comunidade escolar no processo de decisão. Trata-se de uma escola que, sem dúvida, vem propondo a construção de uma educação para todos e sempre em busca de melhoria na qualidade do ensino.

A brincadeira povoa o imaginário infantil, enriquecendo o universo, as vivências e as experiências da criança, pois pela brincadeira apropria-se de sua imagem, espaço e meio sociocultural, interagindo consigo e com a comunidade.

A Escola Democrática tem o papel de, a partir da brincadeira, difundir conteúdo e estimular a interação da criança com seus pares, apresentando regras de convívio social e desafios, a partir dos quais a criança irá construir sua moralidade, afetividade, autonomia, conhecimento e socialização.

Nesse sentido, o brincar, de diversas formas, em diferentes espaços e tempos e com diferentes pares, é responsável por ampliar e diversificar o universo infantil, criando novas possibilidades.

As participações e as transformações introduzidas pela criança na brincadeira devem ser valorizadas, tendo em vista o estímulo ao desenvolvimento de seu conhecimento, imaginação, criatividade, experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais.

Qual é o papel do facilitador nas brincadeiras?

A Escola Democrática parte do princípio que ao educador cabe promover o estímulo da criança pela busca de conhecimento, facilitando o exercício dessa busca por meio de brincadeiras, respeitando e valorizando a diversidade de seus entes e os repertórios culturais que afloram – tanto do grupo como individualmente.

Portanto, o adulto é observador e não deve interferir , a menos que haja a manifestação da criança com pedido de ajuda ou orientação ou, ainda, quando a criança encontra obstáculos, mantendo o cuidado em não mudar a ordem e os comandos estabelecidos na brincadeira/coleta/coleções/construções.

O espaço é organizado pelo professor/facilitador de modo a estimular as brincadeiras, sua seleção, as atitudes de cooperação entre as crianças, instigando a socialização do espaço lúdico e sempre respeitando a vontade de seus atores.

O papel do professor/facilitador na brincadeira é de observador, elaborando registros daquilo que a criança mostrou durante o brincar, observando as diferentes linguagens sociais, afetivas e emocionais de cada criança.

Por que o brincar é importante para o desenvolvimento infantil?

O momento da brincadeira é uma oportunidade de desenvolvimento para a criança. Através do brincar ela aprende, experimenta o mundo, possibilidades, relações sociais, elabora sua autonomia de ação e organiza suas emoções.

O principal objetivo da brincadeira é explorar. Para uma criança pequena, tudo é experimento, até jogar e brincar com o prato de comida. A brincadeira é um espaço para explorar sentimentos e valores, assim como para desenvolver suas habilidades.

A brincadeira surge de objetos estruturados e não estruturados, disponibilizados para as crianças. A partir da brincadeira, observamos que a exploração e a sequência lúdica dependem, única e exclusivamente, de cada criança ou, por vezes, de um grupo de crianças dispostas a compartilhar o brincar.

Através do brincar e a partir do sentimento que aflora em cada brincadeira, a criança faz a leitura do mundo e aprende a lidar com ele, recria, repensa, imita, desenvolvendo, além de aspectos físicos e motores, aspectos cognitivos, bem como valores sociais, morais, tornando-se cooperativo, sociável e capaz de escolher seu papel na sociedade.

Quando a criança tem a oportunidade de escolha, que inicia com o brincar, ela exercita a sua liberdade e assim se torna uma criança mais observadora e crítica, não aceitando com facilidade que seja comandada.

Para enfrentar o mundo, temos que ser sociáveis, manifestar desejos e expressar opiniões, assim, a criança precisa saber o seu papel, seja na sua casa, na escola, na rua, no seu bairro, por fim, na sociedade para, a partir desse conhecimento, apropriar-se de suas escolhas.

No brincar a criança explora, coleta, seleciona, coleciona e constrói conforme a sua vontade e/ou através de observações de experiências anteriores. Assim, ela aprende a elaborar suas reflexões, estratégias, independência e criatividade, permitindo que aumente a sua experiência e do grupo na qual está inserida.

As brincadeiras contribuem no desenvolvimento infantil de forma decisiva, construindo um adulto que acredita em seu potencial transformador, cultivando dentro de si uma forte vontade de viver em um mundo melhor.

Como as crianças brincam?

Para as crianças, tudo pode virar um brinquedo .

Muitas vezes elas brincam com matérias que chamamos de não estruturadas, como canos de PVC, tocos de madeira, panelas, pratos de plásticos, travessas/bacias de plástico, vasilhas com tampas, talheres de plásticos e muitos materiais de cozinha, jogos de encaixe, alinhavos, bambolês, carros, bonecas, fantoches etc.

A partir da exploração desses materiais, as crianças constroem as brincadeiras e a imaginação voa .

Os materiais devem ser selecionados conforme a faixa etária e grupo que está sendo trabalhado e a exploração acontece. A música também é muito atrativa, assim como contação de histórias.

O importante é garantir que o brincar aconteça em vários momentos durante o dia da criança e que ela seja sempre protagonista da brincadeira.

FONTE - Este artigo foi redigido por  SPES Infantil – Serviço Social da Paróquia São Paulo Apóstolo. Postado em ago 08, 2019.  Disponível em https://www.phomenta.com.br/papel-brincadeiras-desenvolvimento-infantil? Acessado em 26/07/2021.

IMAGENS - Sábado Divertido/ MAKURU - 2020.



terça-feira, 27 de julho de 2021

A arte de ser avó (Rachel de Queiroz)

Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo…

Quarenta anos, quarenta e cinco… Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem suas alegrias, as suas compensações – todos dizem isso, embora você, pessoalmente, ainda não as tenha descoberto – mas acredita.

Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade. Não de amores nem de paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento a prestações, você não encontra de modo nenhum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres – não são mais aqueles que você recorda.

E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis – nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choros, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino seu que lhe é “devolvido”. E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixados pelos arroubos juvenis.

[…]

E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz: “Vó!”, seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.

[…]

Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menininho – involuntariamente! – bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque “ninguém” se zangou, o culpado foi a bola mesmo, não foi, Vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague…


Sobre a Autora -
Rachel de Queiroz (1910-2003) foi uma escritora brasileira. A primeira
mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras e a primeira mulher a receber o Prêmio Camões. Foi também jornalista, tradutora e teatróloga. Seu primeiro romance "O Quinze", ganhou o prêmio da Fundação Graça Aranha.