terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Poesia Natal (Bráulio Bessa)

 

Que você neste natal, entenda o real sentido, da data que veio ao mundo um homem bom, destemido, e que o dono da festa não pode ser esquecido.

Olha, repare, vindo lá do polo norte, num trenó, cheio de luz, papai Noel é lembrado muito mais do que Jesus. 

Ô balança incoerente, onde um saco de presentes, pesa mais do que uma cruz.

Eu sei, eu sei que dá presente é bom, mas bom mesmo é ser presente. Ser amigo, ser parceiro. Ser o abraço mais quente, e permitir que nossos olhos não enxerguem só a gente.

Que você neste momento, faça uma reflexão: independente de crença, de fé de religião, pratique o bem sem parar, pois não adianta orar, se não existir ação.

Alimente um faminto, que vive no meio da rua. Agasalhe um indigente, coberto só pela lua. Sua parte é ajudar, e o mundo pode mudar, cada um fazendo a sua.

Abrace um desconhecido, perdoe quem lhe feriu, se esforce para reerguer um amigo que caiu, e tente dar esperança para alguém que desistiu.

Convença… convença quem está triste, que vale a pena sorrir, aconselhe quem parou que ainda dá pra seguir, e pra ele que errou, dá tempo de corrigir.

Faça o bem meu povo, faça o bem por qualquer um, sem perguntar o porquê. Parece fora de moda, soa meio que clichê, mas quando se ajuda alguém, o ajudado é você.

Que você possa ser bom, começando de janeiro, e que esse sentimento seja firme e verdadeiro, que a gente viva o natal todo ano, o ano inteiro.

 

Sobre o Autor - Bráulio Bessa - Poeta, Cordelista, Declamador.
 

terça-feira, 30 de novembro de 2021

AMOR AOS ESTUDOS (II)


Para que crianças e jovens rendam nos estudos é preciso lembrar que não é indispensável concentrar-se durante horas em uma matéria. É muito mais profícuo alternar breves sessões de diferentes disciplinas. E, não faz sentido obrigar quem estuda a permanecer fechado sempre no mesmo ambiente: ao se mudar de local há uma maior probabilidade de se memorizar aquilo que se lê. (...).

Enfim, não deveríamos considerar os temidos exames como testes esporádicos. Seria mais frutífero pensar os testes como sendo uma rotina de estudo, pois mais se verifica, mais se memoriza. Essas são algumas das surpreendentes conclusões de pedagogistas e psicólogos dos últimos anos. 

Para obter o máximo dos estudos é importante que os docentes deixem os ensinamentos em concreto, dando exemplos que os jovens conheçam, mostrando-lhes como aplicar aquilo que aprenderam na vida do dia-a-dia. 

Um papel importante é o da família. Para ajudar a recordar os pais devem colaborar, interessando-se, falar sobre as lições, exprimir entusiasmo e ajudar nas tarefas de casa quando necessário. Além disso há a brevidade das sessões de estudo, alternância das matérias e dos ambientes e os testes muito úteis por levar a uma melhor concentração, ajudam a fixar os conceitos, especialmente se aplicados à breve distância de tempo e desde que se tenha aprendido a matéria em questão. 

Todos amam aprender coisas novas, mas se a explicação é muito complicada ou muito elementar nos farta. É portanto fundamental que os docentes mantenham um nível de dificuldade muito próximo ao da capacidade de aprendizagem individual. Todos os estudantes devem fazer a sua parte. O importante é organizar o estudo, pois ao não conseguir acompanhar, surge a frustração e há tendência ao desinteresse. 

Por isso o estudante, se for suficientemente crescido, deve planejar os estudos da semana e aprender a geri-los. Se a criança for pequena, é necessário que seja habituada a subdividir o esforço em tempos certos. E isso leva ao conceito mais importante: a escola deve ser vivida por todos: estudantes, pais e professores em modo ativo, pois só assim é mesmo útil. 

Dicas para Amar os Estudos 

1 - Não estudar quando se está muito cansado ou se não está bem alimentado. 
2 - Concentrar-se no essencial, melhor se num lugar tranquilo. 
3 - Estudar em modo ativo. Procurar relacionar com outras matérias e com a experiência pessoal. 
4 - Tomar notas ou sublinhar e formular perguntas sobre o que foi lido. 
5 - Quando nos preparamos a um teste, responder perguntas formuladas por nós. 
6 - Repassar periodicamente a matéria: ajuda a fixar as noções. 
7 - Não ter medo de perguntar ao se ter dúvida ou quando não se tenha entendido completamente a matéria. 
8 - Os pais devem trocar impressões com os professores, que tem a experiência com muitos estudantes. 


FONTE - Psychologies Magazine Outubro 2010 - IN: https://consultoriodepsicologia.blogs.sapo.pt/102003.html

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

O amor aos estudos (I)


Às vezes, parece uma bobagem falar em amor aos estudos. E mesmo que muitos procurem fazer isso parecer ridículo, em algum momento, se contradizem. Primeiro de tudo, não é amor a uma atividade em si mesma, é uma figura de linguagem falar “amor aos estudos”. Pois a atividade de estudar não é o fim dela mesma, nem faz sentido ser assim. 

Nem, se falarmos em “arte pela arte”, temos um sentido literal, porquanto esta atividade, pautada numa visão moderna, compreende o uso de técnicas e inspirações dirigidas a algo para fora de si. E é sempre assim. Empreendemos nossa criatividade e inteligência em busca de tesouros escondidos num espaço separado do mundo material. Do mesmo modo, dizemos ‘amor’ também porque está acima da busca dos prazeres. Sabemos, porém, que nem todo trabalho desse tipo se inicia com uma forte decisão. 

Este impulso e, depois, amor pode ser resultado da nossa própria contingência humana. No início da vida, admiramos os mais velhos, sua altura, força e as capacidades que possuem; e isso tudo já têm alguma beleza e superioridade, porque somos pequenos diante de certas situações: nossos movimentos são brutos, sem suavidade, imprecisos, nossa fraqueza não nos permite agarrar firmemente os objetos e nossas observações não compreendem olhares e gestos que à volta são trocados. Isso explica por que, quanto mais nos tornamos participantes da vida dos adultos, mais sentimo-nos orgulhosos. E se meditarmos mais ainda, perceberemos que estamos sempre nesta condição com relação aos sábios; o que, no entanto, é mais difícil de notar ou, para alguns, de admitir. 

Os sábios, portanto, ou aqueles que estão à frente, possuem algo que não temos, um domínio acima das nossas capacidades. Eles nos mostram belezas e verdades que não possuímos em nossos hábitos e conhecimentos. Por conseguinte, estudamos porque também queremos participar dessas belezas e conhecer estas verdades, de um mundo ainda bastante misterioso, mas belo, sem dúvida. 

Assim vemos, na arte literária, Ovídio, que trocou o futuro para o qual estava inclinado pela arte poética, unindo-se aos célebres escritores de sua época, porque encontrou na música as belezas das quais carecia; Plauto, depois de tentar a vida de mercador, acabou por conquistar os corações das plateias, tornando-se autor de muitas peças; e, muito tempo antes, os primeiros aedos iam de encontro às coisas divinas, dos quais muitos, de família nobre, trocavam a promessa de riqueza material por um tipo de sacerdócio. 

O amor aos estudos sempre tem algo desse caráter: um esforço por aquilo que não se troca por prazeres instantâneos. Por fim, pensemos nessa atividade como um jardim que construímos para uso próprio, o qual ainda continuaremos cuidando, mesmo que ninguém o saiba. 




 FONTE - https://www.scholaclassica.com/2021/05/13/o-amor-aos-estudos/

domingo, 31 de outubro de 2021

Com olhos de crianças... (Tonucci)

Francesco Tonucci (Frato), mostra em seu trabalho uma visão do mundo com olhos de criança. Percebe-se o amor pela escola e pela educação, visualizado em seus desenhos/sátira.
Sobre o Autor - Pensador, pedagogo e desenhista, o italiano Francesco Tonucci é uma das vozes mais ativas e influentes do mundo no que diz respeito à participação social da infância na discussão pública sobre o futuro das cidades. Nascido em 1940, em Fano, pequena cidade localizada às margens do mar Adriático, Tonucci trabalhou como professor já na década de 60, quando pôde
conhecer de perto o cotidiano escolar, experiência que deu base para a sua concepção de educação e para a crítica ao modelo escolar vigente. “A escola segue sendo para poucos. O primeiro desafio, portanto, ainda é como fazer com que a escola seja para todos – e para cada um”, aponta o italiano em entrevista exclusiva para o Educação e Território. Sob o pseudônimo Frato, o autor publica uma série de quadrinhos em que discute de forma irônica o cenário escolar e a estrutura familiar contemporânea. “A escola da minha neta de nove anos é muito parecida à minha escola de setenta anos atrás. E não podemos mais suportar isso, considerando como o mundo mudou.” Célebre por ter criado a iniciativa “Cidade das Crianças”, que aposta na transformação das cidades a partir do olhar das crianças que nela habitam, Francesco Tonucci defende que as políticas públicas urbanas têm como tarefa garantir o direito ao brincar de meninos e meninas. FONTE - https://educacaoeterritorio.org.br/

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Fragmentos... (Rubem Alves)

Quem não planta jardins por dentro, não planta jardins por fora e nem passeia por eles. (Rubem Alves)
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciados cursos de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir. (Rubem Alves)
"Sem a educação das sensibilidades todas as habilidades são tolas e sem sentido." (Rubem Alves)
"Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes". (Rubem Alves)
“Eu quero desaprender para aprender de novo. Raspar as tintas com que me pintaram. Desencaixotar emoções, recuperar sentidos.” (Rubem Alves)
“Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno.” (Rubem Alves)
“Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa” (Rubem Alves)
“Buscamos, no outro, não a sabedoria do conselho, mas o silêncio da escuta; não a solidez do músculo, mas o colo que acolhe.” (Rubem Alves)
“Um livro é um brinquedo feito com letras. Ler é brincar.” (Rubem Alves)
“A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente” (Rubem Alves)
“Quem tenta ajudar uma borboleta a sair do casulo a mata. Quem tenta ajudar um broto a sair da semente o destrói. Há certas coisas que não podem ser ajustadas. Tem que acontecer de dentro pra fora.” (Rubem Alves)
“Enquanto a sociedade feliz não chega, que haja pelo menos fragmentos de futuro em que a alegria é servida como sacramento, para que as crianças aprendam que o mundo pode ser diferente. Que a escola, ela mesma, seja um fragmento do futuro...” (Rubem Alves)
“Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.” (Rubem Alves)
“Meu único desejo, meu tema musical, meu diamante é a educação.” (Rubem Alves)
Sobre o Autor - Rubem Azevedo Alves foi um psicanalista, educador, teólogo, escritor e pastor presbiteriano brasileiro. Foi autor de livros religiosos, educacionais, existenciais e infantis.

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Filhos... (Khalil Gibran)


Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.


E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, porque eles têm seus próprios pensamentos.


Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.


Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.



Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.


Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria: pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.








Sobre o Autor - Khalil Gibran Khalil  (1883-1931) foi um filósofo, escritor, poeta, ensaísta e pintor libanês. Khalil Gibran nasceu em Bicharré, nas montanhas do Líbano, no dia 06 de dezembro de 1883. ... Vivia com seu pai, sua mãe, um irmão e duas irmãs.

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

As mãos (Elena Barnabè) “Conversas com minha avó”


“Vovó, como você lida com a dor?”

“Com suas mãos, querida. Se você fizer isso com a sua mente, a dor em vez de abrandar, endurece ainda mais”.

“Com suas mãos, vó?”

“Sim. Nossas mãos são as antenas de nossa alma. Se você as faz se mover costurando, cozinhando, pintando, brincando ou afundando-as na terra, você envia sinais de cuidado para a parte mais profunda de você. 

E sua alma clareia porque você está dando atenção a ela. Então, ela não precisa mais enviar-lhe dor para ser notada”.

“As mãos são realmente tão importantes?”

“Sim, minha menina. Pense nos bebês: eles começam a conhecer o mundo graças ao toque de suas mãozinhas.

Se você olhar para as mãos de pessoas idosas, elas contam mais sobre suas vidas do que qualquer outra parte do corpo.

Diz-se que tudo o que é feito à mão é feito com o coração. Porque realmente é: mãos e coração estão conectados.

Os massoterapeutas sabem muito bem disso: quando tocam o corpo de outra pessoa com as mãos, eles criam uma conexão profunda. É precisamente dessa conexão que vem a cura.

Pense nos amantes: quando suas mãos se tocam, eles fazem amor da maneira mais sublime”.

‘As minhas mãos avó ... há quanto tempo não as uso assim!”

“Mova-as, minha menina, comece a criar com elas e tudo dentro de você se moverá. A dor não passará. Mas se tornará a mais bela obra-prima. E não vai doer mais.

Porque você terá conseguido bordar sua essência”.


Sobre a Autora -  Elena Bernabè é escritora, psicóloga.


segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Impossível é não Viver (José Luís Peixoto)

 

Se te quiserem convencer de que é impossível, diz-lhes que impossível é ficares calado, impossível é não teres voz. Temos direito a viver. Acreditamos nessa certeza com todas as forças do nosso corpo e, mais ainda, com todas as forças da nossa vontade. Viver é um verbo enorme, longo. Acreditamos em todo o seu tamanho, não prescindimos de um único passo do seu/nosso caminho.


Sabemos bem que é inútil resmungar contra o ecrã do telejornal. O vidro não responde. Por isso, temos outros planos. Temos voz, tantas vozes; temos rosto, tantos rostos. As ruas hão-de receber-nos, serão pequenas para nós. Sabemos formar marés, correntes. Sabemos também que nunca nos foi oferecido nada. Cada conquista foi ganha milímetro a milímetro. 
Antes de estar à vista de toda a 
gente, prática e concreta, era sempre impossível, mas viver é acreditar. Temos direito à esperança. Esta vida pertence-nos.

Além disso, é magnífico estragar a festa aos poderosos. É divertido, saudável, faz bem à pele. Quando eles pensam que já nos distribuíram um lugar, que já está tudo decidido, que nos compraram com falinhas mansas e autocolantes, mostramos-lhes que sabemos gritar. Envergonhamo-los como as crianças de cinco anos envergonham os pais na fila do supermercado. Com a diferença grande de não sermos crianças de cinco anos e com a diferença imensa de eles não serem nossos pais porque os nossos pais, há quase quatro décadas atrás, tiveram de livrar-se dos pais deles. Ou, pelo menos, tentaram.

O único impossível é o que julgarmos que não somos capazes de construir. Temos mãos e um número sem fim de habilidades que podemos fazer com elas. Nenhum desses truques é deixá-las cair ao longo do corpo, guardá-las nos bolsos, estendê-las à caridade. Por isso, não vamos pedir, vamos exigir. Havemos de repetir as vezes que forem necessárias: temos direito a viver. Nunca duvidámos de que somos muito maiores do que o nosso currículo, o nosso tempo não é um contrato a prazo, não há recibos verdes capazes de contabilizar aquilo que valemos.

Vida, se nos estás a ouvir, sabe que caminhamos na tua direção. A nossa liberdade cresce ao acreditarmos e nós crescemos com ela e tu, vida, cresces também. Se te quiserem convencer, vida, de que é impossível, diz-lhe que vamos todos em teu resgate, faremos o que for preciso e diz-lhes que impossível é negarem-te, camuflarem-te com números, diz-lhes que impossível é não teres voz.

Fonte - José Luís Peixoto, in 'Abraço'
https://draft.blogger.com/blog/post/edit/4186393766032808113/7527732648210586887  


Sobre o Autor - José Luís Peixoto, nasceu na Vila de Galveias, no Alto Alentejo em 04 de setembro de 1974 é narrador, poeta e dramaturgo português. 

terça-feira, 24 de agosto de 2021

Viver em Estado de Amor (José Tolentino Mendonça)

 

Respirar, viver não é apenas agarrar e libertar o ar, mecanicamente: é existir com, é viver em estado de amor. E, do mesmo modo, aderir ao mistério é entrar no singular, no afetivo. Deus é cúmplice da afetividade: omnipotente e frágil; impassível e passível; transcendente e amoroso; sobrenatural e sensível. A mais louca pretensão cristã não está do lado das afirmações metafísicas: ela é simplesmente a fé na ressurreição do corpo.

 

O amor é o verdadeiro despertador dos sentidos. As diversas patologias dos sentidos que anteriormente revisitámos mostram como, quando o amor está ausente, a nossa vitalidade hiberna. Uma das crises mais graves da nossa época é a separação entre conhecimento e amor. A mística dos sentidos, porém, busca aquela ciência que só se obtém amando. Amar significa abrir-se, romper o círculo do isolamento, habitar esse milagre que é conseguirmos estar plenamente conosco e com o outro. O amor é o degelo. Constrói-se como forma de hospitalidade (o poeta brasileiro Mário Quintana escreve que «o amor é quando a gente mora um no outro»), mas pede aos que o seguem uma desarmada exposição. Os que amam são, de certa maneira, mais vulneráveis. Não podem fazer de conta. Se apetece cantar na rua, cantam. Se lhes der para correr e rir debaixo de uma chuvada, fazem-no. Se tiverem subitamente de dançar em plena rua, iniciam um lento rodopio, sem qualquer embaraço, escutando uma música aos outros inaudível. E o amor expõe-nos também com maior intensidade aos sofrimentos. Na renovação do interesse e da entrega à vida que o amor em nós gera tocamos mais frequentemente a sua enigmática dialética: a sua estupenda vitalidade e a sua letalidade terrível. Mas, como dizia o romancista António Lobo Antunes, «há só uma maneira de não sofrer: é não amar». Mas não é o sofrimento inevitável a todo o amor que impede a vida. O obstáculo é, antes, o seu contrário: a apatia, a distração, o egoísmo, o cinismo.

 Fonte - https://www.citador.pt/textos/a/jose-tolentino-mendonca. José Tolentino Mendonça, in 'A Mística do Instante'


Sobre o Autor - José Tolentino Calaça de Mendonça, mais conhecido por José Tolentino de Mendonça, nasceu em Machico, Madeira, 15 de dezembro de 1965, é cardeal, poeta, professor universitário e teólogo. 
Atualmente é Arquivista do Arquivo Apostólico do Vaticano e Bibliotecário da Biblioteca Apostólica Vaticana, na Cúria Romana. No dia 5 de outubro de 2019 foi elevado a Cardeal pelo Papa Francisco.

sexta-feira, 30 de julho de 2021

BRINCADEIRAS: desenvolvimento infantil

 

 O papel das brincadeiras no desenvolvimento infantil

É inquestionável a importância da brincadeira para o desenvolvimento infantil. Ela está inserida na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sendo um dos seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento da criança: 1. conviver, 2. brincar, 3. participar, 4. explorar, 5. expressar e 6. conhecer-se.

A partir dos seis direitos, a BNCC estabeleceu também os campos de experiência, fundamentais para que a criança possa aprender e se desenvolver:

O eu, o outro e o nós;

Corpo, gestos e movimentos;

Traços, sons, cores e formas;

Escuta, fala, pensamento e imaginação;

Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações.

A brincadeira é, portanto, uma parte fundamental da aprendizagem e desenvolvimento da criança, momento em que ela exercita todos os seus direitos e estabelece contato com os campos de experiência, como protagonista de seu desenvolvimento.

Particularmente, as brincadeiras têm um papel destacado nas Escolas Democráticas, cuja preocupação principal é a adaptação entre as novas gerações e as formas de trabalhar na Educação Infantil.

O que é uma Escola Democrática?

A Escola Democrática é um tipo de escola onde os processos de ensino e aprendizagem têm por princípio a participação das crianças como protagonistas na busca pelo conhecimento e dos educadores como facilitadores e inspiradores dessa busca.

A concepção democrática de escola respeita a criança como ser único que desenvolve seu aprendizado e é sempre capaz de encontrar a melhor maneira para construir seus conhecimentos, respeitando a heterogeneidade e a individualidade da comunidade escolar.

Além disso, propõe o compartilhamento das decisões entre crianças, gestores, educadores, funcionários e pais, inserindo toda a comunidade escolar no processo de decisão. Trata-se de uma escola que, sem dúvida, vem propondo a construção de uma educação para todos e sempre em busca de melhoria na qualidade do ensino.

A brincadeira povoa o imaginário infantil, enriquecendo o universo, as vivências e as experiências da criança, pois pela brincadeira apropria-se de sua imagem, espaço e meio sociocultural, interagindo consigo e com a comunidade.

A Escola Democrática tem o papel de, a partir da brincadeira, difundir conteúdo e estimular a interação da criança com seus pares, apresentando regras de convívio social e desafios, a partir dos quais a criança irá construir sua moralidade, afetividade, autonomia, conhecimento e socialização.

Nesse sentido, o brincar, de diversas formas, em diferentes espaços e tempos e com diferentes pares, é responsável por ampliar e diversificar o universo infantil, criando novas possibilidades.

As participações e as transformações introduzidas pela criança na brincadeira devem ser valorizadas, tendo em vista o estímulo ao desenvolvimento de seu conhecimento, imaginação, criatividade, experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais.

Qual é o papel do facilitador nas brincadeiras?

A Escola Democrática parte do princípio que ao educador cabe promover o estímulo da criança pela busca de conhecimento, facilitando o exercício dessa busca por meio de brincadeiras, respeitando e valorizando a diversidade de seus entes e os repertórios culturais que afloram – tanto do grupo como individualmente.

Portanto, o adulto é observador e não deve interferir , a menos que haja a manifestação da criança com pedido de ajuda ou orientação ou, ainda, quando a criança encontra obstáculos, mantendo o cuidado em não mudar a ordem e os comandos estabelecidos na brincadeira/coleta/coleções/construções.

O espaço é organizado pelo professor/facilitador de modo a estimular as brincadeiras, sua seleção, as atitudes de cooperação entre as crianças, instigando a socialização do espaço lúdico e sempre respeitando a vontade de seus atores.

O papel do professor/facilitador na brincadeira é de observador, elaborando registros daquilo que a criança mostrou durante o brincar, observando as diferentes linguagens sociais, afetivas e emocionais de cada criança.

Por que o brincar é importante para o desenvolvimento infantil?

O momento da brincadeira é uma oportunidade de desenvolvimento para a criança. Através do brincar ela aprende, experimenta o mundo, possibilidades, relações sociais, elabora sua autonomia de ação e organiza suas emoções.

O principal objetivo da brincadeira é explorar. Para uma criança pequena, tudo é experimento, até jogar e brincar com o prato de comida. A brincadeira é um espaço para explorar sentimentos e valores, assim como para desenvolver suas habilidades.

A brincadeira surge de objetos estruturados e não estruturados, disponibilizados para as crianças. A partir da brincadeira, observamos que a exploração e a sequência lúdica dependem, única e exclusivamente, de cada criança ou, por vezes, de um grupo de crianças dispostas a compartilhar o brincar.

Através do brincar e a partir do sentimento que aflora em cada brincadeira, a criança faz a leitura do mundo e aprende a lidar com ele, recria, repensa, imita, desenvolvendo, além de aspectos físicos e motores, aspectos cognitivos, bem como valores sociais, morais, tornando-se cooperativo, sociável e capaz de escolher seu papel na sociedade.

Quando a criança tem a oportunidade de escolha, que inicia com o brincar, ela exercita a sua liberdade e assim se torna uma criança mais observadora e crítica, não aceitando com facilidade que seja comandada.

Para enfrentar o mundo, temos que ser sociáveis, manifestar desejos e expressar opiniões, assim, a criança precisa saber o seu papel, seja na sua casa, na escola, na rua, no seu bairro, por fim, na sociedade para, a partir desse conhecimento, apropriar-se de suas escolhas.

No brincar a criança explora, coleta, seleciona, coleciona e constrói conforme a sua vontade e/ou através de observações de experiências anteriores. Assim, ela aprende a elaborar suas reflexões, estratégias, independência e criatividade, permitindo que aumente a sua experiência e do grupo na qual está inserida.

As brincadeiras contribuem no desenvolvimento infantil de forma decisiva, construindo um adulto que acredita em seu potencial transformador, cultivando dentro de si uma forte vontade de viver em um mundo melhor.

Como as crianças brincam?

Para as crianças, tudo pode virar um brinquedo .

Muitas vezes elas brincam com matérias que chamamos de não estruturadas, como canos de PVC, tocos de madeira, panelas, pratos de plásticos, travessas/bacias de plástico, vasilhas com tampas, talheres de plásticos e muitos materiais de cozinha, jogos de encaixe, alinhavos, bambolês, carros, bonecas, fantoches etc.

A partir da exploração desses materiais, as crianças constroem as brincadeiras e a imaginação voa .

Os materiais devem ser selecionados conforme a faixa etária e grupo que está sendo trabalhado e a exploração acontece. A música também é muito atrativa, assim como contação de histórias.

O importante é garantir que o brincar aconteça em vários momentos durante o dia da criança e que ela seja sempre protagonista da brincadeira.

FONTE - Este artigo foi redigido por  SPES Infantil – Serviço Social da Paróquia São Paulo Apóstolo. Postado em ago 08, 2019.  Disponível em https://www.phomenta.com.br/papel-brincadeiras-desenvolvimento-infantil? Acessado em 26/07/2021.

IMAGENS - Sábado Divertido/ MAKURU - 2020.



terça-feira, 27 de julho de 2021

A arte de ser avó (Rachel de Queiroz)

Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo…

Quarenta anos, quarenta e cinco… Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem suas alegrias, as suas compensações – todos dizem isso, embora você, pessoalmente, ainda não as tenha descoberto – mas acredita.

Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade. Não de amores nem de paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento a prestações, você não encontra de modo nenhum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres – não são mais aqueles que você recorda.

E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis – nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choros, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino seu que lhe é “devolvido”. E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixados pelos arroubos juvenis.

[…]

E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz: “Vó!”, seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.

[…]

Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menininho – involuntariamente! – bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque “ninguém” se zangou, o culpado foi a bola mesmo, não foi, Vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague…


Sobre a Autora -
Rachel de Queiroz (1910-2003) foi uma escritora brasileira. A primeira
mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras e a primeira mulher a receber o Prêmio Camões. Foi também jornalista, tradutora e teatróloga. Seu primeiro romance "O Quinze", ganhou o prêmio da Fundação Graça Aranha.

terça-feira, 29 de junho de 2021

O tempo (Bráulio Bessa)


O tempo…

 

Sempre vivo e indeciso,

ora corre, ora voa,

consegue curar feridas,

no mesmo instante as magoa.

Ninguém escapa do tempo

invisível feito o vento

que toca qualquer pessoa.

 

O tempo me modelou,

me arrancou do meu ninho,

clareou os meus cabelos,

me bateu, me fez carinho.

O tempo me fez voar,

me ensinou a caminhar,

mas não mostrou o caminho.

 


Por tanto tempo o tempo

fez papel de diretor,

um roteirista confuso,

ora ódio, ora amor,

gritando silencioso,

tão claro e misterioso

feito o mar pro pescador.

 

O tempo me fez poeta,

artista, palco e cenário,

me fez imaginação,

aí, encontrou um páreo,

pois, para o tempo, o artista

sempre foi um adversário.

 

Só o artista segura 

e faz parar o ponteiro

que faz o dia ser noite

e último ser primeiro,

e que tem a ousadia

de determinar o dia

que será o derradeiro.

 

A liberdade da arte

deixa o tempo aprisionado,

faz o relógio da vida

adiantado, atrasado,

e num segundo de paz

toda guerra se desfaz

se o relógio for parado.

 

Já que o tempo é infinito

e o artista o domina,

ser eterno e ser mortal

talvez seja minha sina,

atuar num espetáculo

que nunca fecha a cortina.

 

A única previsão

que é certa sobre o tempo

é que ele vai passar.

Por isso cada momento

deve ser aproveitado,

vivido e depois guardado

na caixa do pensamento.

 

O tempo está sempre vivo

num grande desassossego,

inquieto, inconstante,

é pancada e é chamego,

é solução e problema.

O tempo é só um poema

dizendo: já fui, já chego.


Sobre o autor - Bráulio Bessa Uchoa é um poeta,
cordelista, declamador e palestrante brasileiro.

Nascimento: 1985, em Alto Santo, Ceará.


quarta-feira, 23 de junho de 2021

De quem é a mochila? "Ética e Mochila Escolar (Içami Tiba)"


Já há algum tempo, pesquiso sobre alguns aspectos relacionados à educação nas "entradas e saídas" de algumas instituições escolares. 

E em muitos destes episódios vejo a ausência de pontos importantíssimos e que possivelmente serão  sentidos por essas crianças e/ou jovens em sua relações com "o outro" e até com eles mesmos. 

Alguns deste pontos estão relacionados à autonomia, ao respeito,  a solidariedade, ao coletivo, dentre outros.

Encontro em textos de Içami Tiba a representação de minhas reflexões/ preocupações...



Ética e Mochila Escolar (Içami Tiba)


"É quando o discípulo está pronto
que o mestre aparece." 
É um velho ditado hindu. Muitas vezes o mestre não é uma pessoa, mas um episódio do cotidiano. A Psicologia Educacional está presente nos pequenos atos, que podem passar despercebidos.

Venha comigo observar, à porta de uma escola qualquer, a hora da chegada das crianças com as respectivas mães. Observe: quem carrega a mochila escolar? Na maioria das vezes é a mãe. Essa mãe, por hipersolicitude e num gesto de amor, carrega a mochila do filho para poupá-lo desse esforço. Há mãe exagerada: leva três mochilas nas costas, segura ou carrega o filho menor, enquanto vai cuidando para que os outros filhos não fiquem se matando pelo caminho.

E, quando chegam ao portão da escola, o que acontece?

O filho foge para dentro da escola, e a mãe tem de correr atrás dele para entregar-lhe a mochila e, já com os lábios estendidos, dar-lhe um beijinho de despedida...

Por que um filho, nessa despedida, não beija sua mãe?

Qualquer ser humano, ao se separar de alguém, pelo menos por educação, se despede. Os enamorados beijam-se tão demoradamente que é impossível saber se estão se despedindo, ou "ficando", ou até mesmo chegando... Somente quando não usufruímos a companhia é que "saímos de fininho", isto é, sem nos despedir dela. Portanto, se um filho não beija sua mãe é porque não usufruiu prazerosamente sua companhia. Significa também que o filho não reconheceu a ajuda que a mãe lhe deu.

Ajudar é muito nobre e um gesto de amor, ao qual mãe nenhuma se furta. Mas, se não ficar claro que a mãe o está ajudando, o filho pode entender que é responsabilidade dela carregar sua mochila. Assim se perpetua que quem vai à escola é ele, mas quem deve carregar a mochila é a mãe.
Para que carregar sua mochila se, até então, isso é obrigação da mãe? Essa é uma das melhores maneiras de um filho não adquirir responsabilidade pela própria vida. Mas o pior é quando o filho acredita que é obrigação dos pais carregar as "mochilas da vida" e que a ele só cabe viver o prazer. O filho se deforma, transformando-se em "folgado", enquanto os pais se "sufocam".

Assim vai se organizando uma falta de ética em que o respeito a quem o ajuda passa a não existir; e a responsabilidade pelos próprios compromissos, a se diluir. Quem não respeita a própria mãe não tem por que respeitar outras pessoas: pai, professores, autoridades sociais ou qualquer ser vivente, seja mendigo, seja índio... Quem não se responsabiliza pelos próprios atos não tem por que se preocupar com o que faz ou deixa de fazer... Tudo isso pode ocorrer se carregar a mochila do filho for extensão social do que a mãe faz dentro de casa, isto é, se ela carrega também a casa toda...

Carregar a mochila do filho é um erro de amor. Cometido por amor, pode ser até aceitável, mas não se justifica. O maior amor é criá-lo e educá-lo para a vida. E a vida exige qualidade, ética, liberdade e responsabilidade. Ainda bem que nossa psique é plástica, e os comportamentos podem ser mudados a qualquer momento, desde que estejamos realmente mobilizados para isso.

Na primeira oportunidade, essa mãe deveria fazer o esforço sobrematerno, que é maior que o sobre-humano, para não carregar a mochila do filho. Vai ser uma briga interna muito grande contra a sensação de estar sendo má, incompetente e omissa... Mas a mãe tem de saber que o que sempre fez, pensando estar ajudando, na realidade prejudicou o filho e acreditar que pode mudar. Portanto, essa mudança de atitude tem a finalidade de educar saudavelmente o filho, porque só o amor não é suficiente para uma boa educação.

O filho tem de sentir todo o peso de sua mochila. Cabe à mãe oferecer ajuda. Se ele, por birra, já que nunca carregou peso algum, recusar a ajuda, ótimo! A mãe não deve sentir-se inútil. Pelo contrário, deve usufruir o filho, que está começando a assumir a própria responsabilidade, e curtir essa felicidade. A mãe não deve incomodar-se com os olhares indignados de 

outras mães, querendo dizer: "Que mãe desnaturada: deixa o filho soterrado sob a mochila". A mãe precisa devolver os olhares, dizendo: "Quão cegas e submissas elas estão sendo aos próprios filhos, que logo irão chamá-las de escravas e perceber nelas já uma pontinha de inveja por alguém estar conseguindo o que elas sempre desejaram... "É bem provável que já no dia seguinte essa mãe encontre algumas parceiras para sua felicidade.

Chegará uma hora em que o próprio filho, não agüentando mais carregar a mochila, dirá, com aquele ar de súplica que desmonta qualquer coluna vertebral materna: "Manhêêê, me ajuda?". Esta é a hora sagrada que Deus arrumou para a mãe tentar reparar as falhas educativas anteriores. Portanto, não a deve perder de forma alguma. Carregar todo o peso da mochila outra vez, jamais! Mesmo que tenha de lutar com todas as forças contra o "determinismo do instinto materno". É chegada a hora de efetivamente ajudar o filho no que ele precisa. Portanto, nesse exato momento cabe à mãe abrir a mochila, que ele mesmo deve, ou deveria, ter arrumado, e deixá-lo pegar o que consegue carregar. Se ele quiser levar a mochila com menos cadernos, ótimo! Se quiser carregar alguns cadernos, ótimo também! Mesmo que seja pouco, se o filho começar a carregar alguma coisa, já é ótimo. Até agora o que ele aprendeu é que levar a mochila é obrigação da mãe. Portanto, vamos devagar, até ele reaprender que essa obrigação é dele, e a sua mãe só o está ajudando. Se, de pequenino, o filho carrega alguns cadernos, à medida que vai crescendo, pode levar mais cadernos, até chegar o dia em que conseguirá carregar toda a mochila. "Educar é preparar o filho para a alegria da liberdade sem depender de ninguém para "carregar suas mochilas".

Nesse novo processo, o mais importante é que o filho, ao chegar ao portão da escola, sinta na própria pele a ajuda de sua mãe, medida e quantificada pelo peso da mochila que deixou de carregar. Nessa hora, seu coraçãozinho se enche de gratidão, e vem espontaneamente o tão desejado beijo do qual ela tanto correu atrás. É um sentimento de reconhecimento do esforço que sua mãe sempre fez e ao qual ele nunca deu valor. Esse reconhecimento dá ao filho o sinal da existência da mãe. Se existe, a mãe deve ser respeitada.

Assim, o filho, carregando a própria mochila, sendo auxiliado pela mãe nessa pesada tarefa, cria dentro de si respeito pela pessoa que o ajuda. Essa gratidão entra em seu quadro de valores e penetra fundo em seu modo de ser.

Quem tem respeito à própria mãe também respeita seus semelhantes. É dessa maneira que um filho pequeno adquire a ética que vai torná-lo um cidadão na sociedade.


Sobre o Autor - Içami Tiba, nasceu em Tapiraí/São Paulo em 15 de março de 1941,
faleceu em São Paulo em 2 de agosto de 2015,  foi médico psiquiatra, psicodramatista, colunista, escritor de livros sobre Educação familiar e escolar e palestrante. Criou a Teoria da Integração Relacional, que facilita o entendimento e a aplicação da psicologia por pais e educadores.