Já há algum tempo, pesquiso sobre alguns aspectos relacionados à educação nas "entradas e saídas" de algumas instituições escolares.
E em muitos destes episódios vejo a ausência de pontos importantíssimos e que possivelmente serão sentidos por essas crianças e/ou jovens em sua relações com "o outro" e até com eles mesmos.
Alguns deste pontos estão relacionados à autonomia, ao respeito, a solidariedade, ao coletivo, dentre outros.
Encontro em textos de Içami Tiba a representação de minhas reflexões/ preocupações...
Ética e Mochila Escolar (Içami Tiba)
"É quando o discípulo está pronto
que o mestre aparece."
É um
velho ditado hindu. Muitas vezes o mestre não é uma pessoa, mas um
episódio do cotidiano. A Psicologia Educacional está presente nos
pequenos atos, que podem passar despercebidos.
Venha
comigo observar, à porta de uma escola qualquer, a hora da chegada
das crianças com as respectivas mães. Observe: quem carrega a
mochila escolar? Na maioria das vezes é a mãe. Essa mãe, por
hipersolicitude e num gesto de amor, carrega a mochila do filho para
poupá-lo desse esforço. Há mãe exagerada: leva três mochilas nas
costas, segura ou carrega o filho menor, enquanto vai cuidando para
que os outros filhos não fiquem se matando pelo caminho.
E,
quando chegam ao portão da escola, o que acontece?
O
filho foge para dentro da escola, e a mãe tem de correr atrás dele
para entregar-lhe a mochila e, já com os lábios estendidos, dar-lhe
um beijinho de despedida...
Por
que um filho, nessa despedida, não beija sua mãe?
Qualquer
ser humano, ao se separar de alguém, pelo menos por educação, se
despede. Os enamorados beijam-se tão demoradamente que é impossível
saber se estão se despedindo, ou "ficando", ou até mesmo
chegando... Somente quando não usufruímos a companhia é que
"saímos de fininho", isto é, sem nos despedir dela.
Portanto, se um filho não beija sua mãe é porque não usufruiu
prazerosamente sua companhia. Significa também que o filho não
reconheceu a ajuda que a mãe lhe deu.
Ajudar
é muito nobre e um gesto de amor, ao qual mãe nenhuma se furta.
Mas, se não ficar claro que a mãe o está ajudando, o filho pode
entender que é responsabilidade dela carregar sua mochila. Assim se
perpetua que quem vai à escola é ele, mas quem deve carregar a
mochila é a mãe.
Para
que carregar sua mochila se, até então, isso é obrigação da mãe?
Essa é uma das melhores maneiras de um filho não adquirir
responsabilidade pela própria vida. Mas o pior é quando o filho
acredita que é obrigação dos pais carregar as "mochilas da
vida" e que a ele só cabe viver o prazer. O filho se deforma,
transformando-se em "folgado", enquanto os pais se
"sufocam".
Assim
vai se organizando uma falta de ética em que o respeito a quem o
ajuda passa a não existir; e a responsabilidade pelos próprios
compromissos, a se diluir. Quem não respeita a própria mãe não
tem por que respeitar outras pessoas: pai, professores, autoridades
sociais ou qualquer ser vivente, seja mendigo, seja índio... Quem
não se responsabiliza pelos próprios atos não tem por que se
preocupar com o que faz ou deixa de fazer... Tudo isso pode ocorrer
se carregar a mochila do filho for extensão social do que a mãe faz
dentro de casa, isto é, se ela carrega também a casa toda...
Carregar
a mochila do filho é um erro de amor. Cometido por amor, pode ser
até aceitável, mas não se justifica. O maior amor é criá-lo e
educá-lo para a vida. E a vida exige qualidade, ética, liberdade e
responsabilidade. Ainda bem que nossa psique é plástica, e os
comportamentos podem ser mudados a qualquer momento, desde que
estejamos realmente mobilizados para isso.
Na
primeira oportunidade, essa mãe deveria fazer o esforço
sobrematerno, que é maior que o sobre-humano, para não carregar a
mochila do filho. Vai ser uma briga interna muito grande contra a
sensação de estar sendo má, incompetente e omissa... Mas a mãe
tem de saber que o que sempre fez, pensando estar ajudando, na
realidade prejudicou o filho e acreditar que pode mudar. Portanto,
essa mudança de atitude tem a finalidade de educar saudavelmente o
filho, porque só o amor não é suficiente para uma boa educação.
O
filho tem de sentir todo o peso de sua mochila. Cabe à mãe oferecer
ajuda. Se ele, por birra, já que nunca carregou peso algum, recusar
a ajuda, ótimo! A mãe não deve sentir-se inútil. Pelo contrário,
deve usufruir o filho, que está começando a assumir a própria
responsabilidade, e curtir essa felicidade. A mãe não deve
incomodar-se com os olhares indignados de
outras mães, querendo dizer: "Que mãe desnaturada: deixa o filho soterrado sob a mochila". A mãe precisa devolver os olhares, dizendo: "Quão cegas e submissas elas estão sendo aos próprios filhos, que logo irão chamá-las de escravas e perceber nelas já uma pontinha de inveja por alguém estar conseguindo o que elas sempre desejaram... "É bem provável que já no dia seguinte essa mãe encontre algumas parceiras para sua felicidade.
outras mães, querendo dizer: "Que mãe desnaturada: deixa o filho soterrado sob a mochila". A mãe precisa devolver os olhares, dizendo: "Quão cegas e submissas elas estão sendo aos próprios filhos, que logo irão chamá-las de escravas e perceber nelas já uma pontinha de inveja por alguém estar conseguindo o que elas sempre desejaram... "É bem provável que já no dia seguinte essa mãe encontre algumas parceiras para sua felicidade.
Chegará
uma hora em que o próprio filho, não agüentando mais carregar a
mochila, dirá, com aquele ar de súplica que desmonta qualquer
coluna vertebral materna: "Manhêêê, me ajuda?". Esta é
a hora sagrada que Deus arrumou para a mãe tentar reparar as falhas
educativas anteriores. Portanto, não a deve perder de forma alguma.
Carregar todo o peso da mochila outra vez, jamais! Mesmo que tenha de
lutar com todas as forças contra o "determinismo do instinto
materno". É chegada a hora de efetivamente ajudar o filho no
que ele precisa. Portanto, nesse exato momento cabe à mãe abrir a
mochila, que ele mesmo deve, ou deveria, ter arrumado, e deixá-lo
pegar o que consegue carregar. Se ele quiser levar a mochila com
menos cadernos, ótimo! Se quiser carregar alguns cadernos, ótimo
também! Mesmo que seja pouco, se o filho começar a carregar alguma
coisa, já é ótimo. Até agora o que ele aprendeu é que levar a
mochila é obrigação da mãe. Portanto, vamos devagar, até ele
reaprender que essa obrigação é dele, e a sua mãe só o está
ajudando. Se, de pequenino, o filho carrega alguns cadernos, à
medida que vai crescendo, pode levar mais cadernos, até chegar o dia
em que conseguirá carregar toda a mochila. "Educar é preparar o
filho para a alegria da liberdade sem depender de ninguém para
"carregar suas mochilas".
Nesse
novo processo, o mais importante é que o filho, ao chegar ao portão
da escola, sinta na própria pele a ajuda de sua mãe, medida e
quantificada pelo peso da mochila que deixou de carregar. Nessa hora,
seu coraçãozinho se enche de gratidão, e vem espontaneamente o tão
desejado beijo do qual ela tanto correu atrás. É um sentimento de
reconhecimento do esforço que sua mãe sempre fez e ao qual ele
nunca deu valor. Esse reconhecimento dá ao filho o sinal da
existência da mãe. Se existe, a mãe deve ser respeitada.
Assim,
o filho, carregando a própria mochila, sendo auxiliado pela mãe
nessa pesada tarefa, cria dentro de si respeito pela pessoa que o
ajuda. Essa gratidão entra em seu quadro de valores e penetra fundo
em seu modo de ser.
Quem tem respeito à própria mãe também
respeita seus semelhantes. É dessa maneira que um filho pequeno
adquire a ética que vai torná-lo um cidadão na sociedade.
Sobre
o Autor - Içami
Tiba, nasceu
em Tapiraí/São Paulo em 15 de março de 1941,faleceu em São Paulo
em 2 de agosto de 2015, foi médico psiquiatra,
psicodramatista, colunista, escritor de livros sobre Educação
familiar e escolar e palestrante. Criou a Teoria da Integração Relacional, que facilita o entendimento e a aplicação da psicologia por pais e educadores.
Obrigado mais uma vez Sônia. Gostava muito do Icami Tiba, um grande mestre. Ele se foi, mas seu conhecimento continuará conosco.
ResponderExcluirVerdade!!! Grande Mestre!!! Grata.
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