Pediatra
explica que competências humanas adquiridas na infância, com o
livre brincar, são cruciais para o desenvolvimento, e devem ser
estimulada.
É
cada vez mais comum ver crianças precisando lidar com agendas
atribuladas, preenchidas com aulas de idioma, música, reforço,
teatro, esportes.
Para
o pediatra Daniel Becker, pesquisador do Instituto de Estudos em
Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos
criadores do programa Saúde da Família, essa visão curricular
sobre as atividades nas quais a criança precisa se envolver pode
acabar fazendo com que ela desenvolva comportamentos de
competitividade e individualismo.
O
especialista defende que, na infância, a prioridade deve ser o livre
brincar, atividade que não pode ser repetida em outra etapa da vida
e que é capaz de estimular uma série de competências humanas que
nenhuma sala de aula poderá ensinar.
Becker
concedeu entrevista a EXAME sobre a importância de cultivar a saúde
desde os primeiros anos de vida durante o VII Simpósio Internacional
de Desenvolvimento da Primeira Infância, em Fortaleza,[1] do qual a
reportagem participou a convite da Fundação Maria Cecília Souto
Vidigal.
Muitos
pais acreditam que deixar a criança ocupada com atividades que
compõem um currículo estão auxiliando na educação. Por que o
senhor critica essa prática?
Nós
vivemos uma cultura de excesso de valorização da aprendizagem com
adultos, é um paradigma da escola do desenvolvimento. Como se o
desenvolvimento de uma criança só se desse na sua interação com
adultos, em aulas, supervisões, atividades programadas e
estruturadas.
Quando,
na verdade, isso só provê essa criança de um tipo de ganho, um
tipo de inteligência. Essa educação bancária – em que um domina
o conhecimento e outro está ali para receber – é cada vez mais
reconhecida como um modelo que tem muitas limitações.
As
nossas crianças brincam para serem adultas, por essa crença dos
pais de que elas se tornarão mais prontas para o mercado. Brincando
a criança aprende coisas que ninguém mais pode ensinar a ela.
Uma
criança que brinca no parque com amigos vai aprender a negociar,
interagir, ter empatia, ouvir o outro, se fazer ouvir, avaliar
riscos, resolver problemas, desenvolver coragem, autorregulação,
auto estímulo, criatividade, imaginação… Uma série de
habilidades que nenhuma aula vai oferecer para ela poderão fazer
melhores escolhas e desenvolver bons hábitos, vão ter um melhor
emprego e conseguir condições de vida melhores… E são essas as
condições de vida determinantes de uma saúde melhor no longo
prazo.
E
elas são muito mais importantes para um adulto bem-sucedido do que
uma aula de Kumon ou violino. Não que precisemos desvalorizar a
importância de matricular nossos filhos em algumas atividades, mas é
importante nunca esquecer que brincando livremente na natureza a
criança está aprendendo.
Existe algum
risco de essas crianças se tornarem adultos mais improdutivos ou com
alguma deficiência?
Há
algumas pesquisas que já estão avaliando que as crianças da
geração Y, os millennials, que foram superprotegidas e foram
vítimas desse excesso de escolarização, estão se tornando adultos
narcisistas, incapazes de lidar com a frustração e com o conflito,
tendem a fugir das intempéries…
Começamos
a ter alguns indícios disso. São efeitos previsíveis. Uma criança
que enfrenta a realidade com o pai e a mãe se interpondo entre ela e
o problema não vai aprender a resolver sozinha. Nem com o professor
ensinando a ela alguma disciplina.
Ela
tem que cair e ralar o joelho. Porque a vida dói, a realidade dói.
Mas passa.
E,
no dia seguinte, o machucado ganhou uma casquinha, o corpo está
reagindo e fazendo alguma coisa.
Daqui
a pouco, aquela marquinha sumiu e o joelho voltou ao normal. Olha
tudo o que ela aprendeu ali sobre enfrentar a dor, sobre saber que
essa dor passa e que o corpo funciona e se regenera. Que aula vai
oferecer a ela essa experiência?
O
senhor ressaltou, em sua palestra, que investir num pleno
desenvolvimento na primeira infância ajuda a reduzir os custos
futuros com saúde. Por quê?
Porque
as crianças se tornarão adultos mais capacitados, mais saudáveis,
que com melhores hábitos nutricionais, as doenças que mais matam
atualmente têm maior chance de serem evitadas lá na frente, como
diabetes, obesidade, hipertensão. É na primeira infância que a
prevenção dessas doenças começa. Investir na capacitação
familiar, em pré-natal e incentivo ao aleitamento materno, que ajuda
a reforçar as defesas do organismo, é muito eficiente em termos de
investimento em saúde pública.
O
senhor também falou que a primeira infância ajuda os gestores
públicos a superar o dilema da busca por equidade e por
eficiência, que normalmente são vistas como inconciliáveis.
Como?
É
uma dualidade clássica do político, que quer ter resultados daqui a
quatro anos, quando ele estiver se reelegendo. Para o gestor público,
investir dinheiro na redução da pobreza muitas vezes é muito
custoso e tem pouco resultado.
E
ele consegue ser eficiente com esse recurso, porque a estrutura
dessas pessoas já é muito viciada por opressão e baixo
desenvolvimento. O investimento na primeira infância supera essa
dualidade.
Investir
nesse momento da vida ajuda a promover redução da pobreza em médio
e longo prazos, com uma eficiência muito grande dos recursos, porque
investir precocemente é o que traz mais resultados. No curto prazo
também funciona, porque esse gestor vai contar com famílias mais
felizes e crianças rendendo mais na escola. É um caminho para a
cidadania e para uma sociedade mais capacitada.
Sobre
o Autor – Daniel Becker, pediatra e pesquisador do Instituto de
Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro
[1]
Realizado no dia 7 de novembro de 2017, na cidade de Fortaleza –
[VII Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira
Infância], com o tema “Práticas efetivas para uma política
integrada”.
*** Imagens /internet.
Nenhum comentário:
Postar um comentário