Fim de tarde. Acabara de entregar uma
sandália para meu amigo. Calçou, ouvindo as palavras que saíam de mim. "Caminhe
nos passos de Jesus, siga com a Mãe dEle que sempre te cuidou. Ela não vai
deixar de te amar, assim como és".
A partir desse momento, começou a me contar um momento difícil de sua vida. Fora jogado fora do emprego sem receber nada, depois de 9 anos. Buscou seus direitos e venceu recebendo um bom dinheiro.
Mas seu coração estava angustiado por
ter resolvido acabar o amor da mulher com quem pretendia casar. Esta queria que
ele comprasse uma casa, perto da mãe dela, o que não admitia, por mais que
tivesse o dinheiro da causa trabalhista que ganhara. O seu coração padecia
porque balançava entre a realidade e a falta de certeza se a noiva o amava, ou
se só queria se aproveitar do dinheiro que recebera. A certeza era que ele a
amava intensamente e sofria por isso, ao ponto de entrar num estado depressivo,
depois de terminar.
Meu amigo contava esta sua história, lacrimejando, mas referindo-se ao amor pela Mãe de Jesus, em termos bem afetivos, passando a falar de seu sonho com a "Santa Maria, minha mãezinha", como repetia.
Daí, certa noite, adormecera com o coração triste, sem saber se livrar de sua paixão paralisante e sem saber como seguir adiante. Antes, rezou para Santa Maria, pedindo socorro e adormeceu em lágrimas.
Contou-me seu sonho. Maria aparecia com uma luz que secava suas lágrimas, falava-lhe, carinhosamente e dizia que esqueceria seu amor perdido e encontrariam novos caminhos para seguir sua vida.
Acordou e, durante mais duas noites, sonhou com a Santa Maria e foi ajustando sua nova vida. Com o dinheiro da causa trabalhista, comprou roupa para sua mãe e sua irmã caçula, que tanto amava, contando-me o milagre que acontecera com sua sobrinha que nascera prematura, do tamanho da sandália que lhe presenteara. A vizinhança ajudou a cuidar da pequena que viveu, apesar da declaração do médico que não resistiria.
Preciso dizer que este meu amigo é morador de rua, dependente de álcool, que nessa tarde estava lúcido, pois fora comprar banana para uma idosa que lhe protegia e o acudia, quando as consequências do álcool lhe espreitavam, dramaticamente. Ela sempre o via, quando chegava alcoolizado e deitava no banco da praça. Era uma mulher que vivia com seu marido e um filho, parecendo-me um fiel espelho de algumas virtudes de Maria, a cheia de graça, para distribuir aos desvalidos.
Estou pensando ser esta senhora, magrinha e idosa, a imagem viva da Santa Maria que o acudia nas horas mais difíceis. Eu a conheci e fiquei impressionado com seu jeito meigo e doce de falar. Deu-me a entender que já me conhecia pelas vezes que, eu sentado, conversava com meu velho amigo. Diante da moldura que enquadrei essa passagem da vida de meu amigo, algumas perguntas chegam à minha mente:
Quem o ensinara a ter amor a Santa Maria? Que graças Deus concedera para que cada noite, rezasse e pedisse proteção da Mãe de Jesus, antes de deitar-se debaixo das pontas dos telhados, mesmo alcoolizado?
Enfim, minha fé se dobra e afirma que a Redenção foi tão copiosa que ninguém escapou do olhar amoroso de Maria, a Mãe do Perpétuo Socorro, tal como escrevera S. AFONSO.
PS.
Este meu amigo faleceu de parada cardíaca, alguns dias antes do Natal deste ano
de 2023, para estar no "presépio vivo" de Maria e se sentir amigo de
São José para sempre. Ficara doente em situação que fez a sua "anja da
guarda" pedir ajuda da polícia, encontrando os filhos. Acolhido e levado
ao hospital, teve alta, mas morreu em casa, entre os seus, perdoando e sendo
perdoado.
Sobre o Autor - Nelson Peixoto - Filósofo, Contador de histórias,
Escritor de artigos de sua experiência de vida. Foi conselheiro de Direitos da Infância, Professor universitário, Gestor das Aldeias Infantis SOS Brasil, por 26 anos, em Manaus e Brasília onde se empenhou com dedicação ao fortalecimentos de laços entre as crianças, os jovens e as famílias em situação de risco e vulnerabilidade social.
Nenhum comentário:
Postar um comentário