domingo, 30 de abril de 2017

Escola em Manaus abre portas para a comunidade e para o protagonismo...[André Gravatá]


“Há muita burocracia, muitos tentam transformar a escola numa empresa, mas queremos desconstruir esse olhar. Muitos falam que não dá para mudar a escola, não acreditam. Mas a gente prova, depois de um ano de projeto, que é possível fazer uma escola diferente. E a mudança contagia”, comenta Lúcia Cristina Santos, diretora da Escola Professor Waldir Garcia, em Manaus (AM), em uma inspiradora conversa que durou mais de três horas.


Um dos elementos que chama atenção perto da mesa de Lúcia é um estandarte com o colorido desenho de um boi e o nome dele: Garcioso. É uma lembrança do Festival de Folclore que mobiliza toda a comunidade e gera renda para a escola realizar pequenos consertos.

A Waldir Garcia, que recebe alunos do 1º ao 5º ano, foi a primeira escola de ensino integral de Manaus, e hoje já são cinco no total. O atual projeto se desenvolve com o apoio do Coletivo Escola Família do Amazonas (CEFA), um grupo de famílias que se reuniu para dialogar sobre a educação dos filhos, com a intenção de tirá-los de escolas particulares e matriculá-los em instituições públicas. Como sonhavam com uma educação transformadora, diferente, membros do CEFA descobriram várias práticas criativas e escreveram um projeto da escola que gostariam, em seguida apresentado para a secretaria municipal de educação. “Nós da escola Waldir Garcia queríamos realizar esse projeto na prática. E ano passado iniciamos, em fevereiro”, relembra Lúcia, que também viajou a São Paulo duas vezes, acompanhada de pessoas da sua equipe, para participar de um encontro sobre educação integral e se inspirar com iniciativas como a Escola Municipal Campos Salles, no Bairro Educador Heliópolis, e a EMEI Gabriel Prestes, na Rua da Consolação.

Lúcia anda comigo pela escola e mostra o lugar onde acontecem as assembleias semanais, prática que iniciou também em fevereiro do ano passado. Os alunos decidiram, por exemplo, depois de vários diálogos em assembleia, que os duzentos estudantes da escola não mais teriam intervalos separados, mas sim um mesmo momento de recreio, para conviverem mais próximos. Eles assumiram a responsabilidade de organizar o intervalo com todos alunos ao mesmo tempo.

Andando pelo Chapéu de Palha, nome do espaço na escola onde ocorrem as assembleias, dá pra ver uma marca de água nas paredes. É indício das cheias. Quando aumenta o nível do igarapé, a água toma conta dos arredores e de parte da própria escola. Dois anos atrás, para facilitar a presença dos alunos, alguns até acamparam nas salas de aula da Waldir Garcia. Entre os estudantes, há dezenove imigrantes, a maioria haitianos.

Entro nas salas de aula e vejo crianças que estão reaprendendo o que é uma escola. Desde o início do ano passado, muitas práticas mudaram na Waldir Garcia além da criação de assembleias.

Os alunos passaram a se encontrar semanalmente com tutores, para refletir sobre seus projetos de vida. É um momento para questionar quais são seus sonhos e como podem realizar essas aspirações. Outros funcionários da escola, que trabalham com a merenda e serviços gerais, também podem exercer o papel de tutores, assim como membros das famílias. E mais: todos os funcionários da Waldir Garcia também têm tutores, com quem combinam encontros de estudos e conversas – o tutor é alguém disponível para escutá-los. “A gente sentia que a merendeira, por exemplo, não se considerava parte do processo de educação, achando que só fazia a merenda e ponto. Mas a gente sabe o quanto ela é fundamental”, diz Lúcia.

Foram criados os grupos de responsabilidade, para que as crianças e jovens se comprometam, junto com seus tutores, a cuidar da escola no dia a dia. Há um grupo que apoia no recreio, outro na merenda, na sala de computadores e outros mais.

Os alunos passaram a aprender filosofia desde o primeiro ano, com a oficina de iniciação ao pensamento filosófico.

Aumentaram as visitas a espaços da região, para aprender sobre meio ambiente no parque, para ocupar o entorno com piqueniques, para assistir a filmes na tela do cinema.

Acabaram as filas no momento da entrada da escola, gerando uma polêmica com os pais, que reclamaram, viam o fim das filas como sinal de desorganização.


Encontro na quadra da escola durante a semana de literatura amazonense


Jovens nas mesas compartilhadas, em estudos a partir de roteiros de pesquisa individuais

“É preciso que o aluno seja protagonista, é preciso que o aluno desenvolva sua autonomia. Quando ele sai da escola quase nunca tem alguém o conduzindo pela mão. A autonomia é importante para a vida. Mas muitos pais ainda pensam que a melhor escola é a tradicional, a escola de quem decora, copia, responde pergunta de prova. Nosso desafio é envolver mais as famílias, para que entendam: os estudantes dão mais importância para a escola quando são protagonistas da própria educação, quando são convidados a participar, não recebendo tudo pronto. Aí os estudantes passam a ver a escola com outros olhos”, comenta Lúcia, ressaltando que os jovens são avaliados na escola não mais com provas bimestrais, mas sim ao longo do processo e com autoavaliações individuais e em grupo.

A diretora anda mais um pouco e me mostra a quadra. Já é noite e agora acontece uma partida de futebol a todo vapor, com um time de jovens estudantes da escola. Algumas pessoas que assistem à partida estão com sacolas de quitutes, para daqui a pouco celebrarem o aniversário de um dos garotos ao redor de uma mesa num dos cantos da quadra. Todos esses jovens e adultos estão na escola fora do horário de aula. É que a Waldir Garcia possibilita que a comunidade local use a quadra para praticar esportes ou mesmo desenvolver outras atividades, como as aulas de zumba que acontecem semanalmente. É só assinar um termo de responsabilidade para cuidar do espaço e respeitar os horários combinados.

Enquanto celebram o aniversário, celebro a existência dessa escola e da força das educadoras envolvidas nesse projeto. Espalhar essa história para que mais pessoas conheçam é fundamental para que nosso imaginário nutra-se não apenas das tragédias e retrocessos do presente, mas também das resistências que aumentam nosso fôlego.

* A Escola Municipal Waldir Garcia é a primeira escola do Norte do Brasil a ser selecionada pelo Escola Transformadoras, um projeto que está criando uma rede com iniciativas de educação inspiradoras e com impacto relevante nas suas comunidades.
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Sobre o Autor
André Gravatá é escritor e educador. Autor do livro Sublime e coautor do Volta ao mundo em 13 escolas e Mistérios da Educação. É um dos criadores da Virada Educação, que mobiliza escolas e territórios pelo Brasil. Hoje desenvolve uma pesquisa intitulada A Vida nas Cidades Educadoras e espalha sua poesia no jornal das miudezas. Em 2015, recebeu o prêmio Educador Inventor da Associação Cidade Escola Aprendiz.





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