A musicalidade da palavras atrai as crianças. O poema ritmado, curto, com palavras simples é o caminho para que elas gostem da poesia.
Sônia
Maria de Araújo Peixoto | pedagoga
A poesia se faz presente
nas brincadeiras das crianças onde as palavras brincam, dançam, encantam e
permeiam a atividade desenvolvida com afetividade e sensibilidade. Para que a
criança perceba e vivencie a poesia em seu entorno: em poemas, músicas,
parlendas, adivinhações, resoluções de problemas, trava-língua e outras
atividades, se faz necessário a presença da ludicidade presente e expressa nas
diversas linguagens a serem apresentadas às crianças.
O potencial de
desenvolvimento infantil é "tocado" por alguns autores que transmitem
de forma inteligente e sensível a poesia em suas obras, com musicalidade, com
rimas, repetições de palavras, sem palavras e termos infantilizados e/ou
rebuscados, onde o entendimento sobre novas palavras acontece de forma natural.
A educação para a
sensibilidade poética, para o sentipensar, para a poesia deve estar relacionada
a um projeto para a vida e não somente na infância; no entanto se for parte da
proposta de desenvolvimento infantil, a possibilidade de esta criança vir a ser
um adulto mais sensível, mais alegre, mais humano é bem maior.
Nesse sentido, é
fundamental possibilitar às crianças (nas famílias, nas instituições de educação
infantil), momentos de ludicidade, como sendo uma atividade constante, com a
audição e leitura dos diversos tipos de portadores de poesia, para que possam
ser apreciados, sentidos, e possibilitar, ainda, que a criança manifeste preferência
dentre a diversidade a ela apresentada.
O desenvolvimento da
criança, pautado no sentipensar, rompe com a forma "cartesiana"tão presente
nas famílias e instituições de educação, não só de educação infantil, onde o
sentir e o pensar são aspectos opostos e não se juntam. O sentipensar é
concebido como poesia, pois proporciona a manifestação das emoções pelo toque,
pelo que comove, pelo que alegra e pelo que leva à humanização.
Na literatura temos
alguns presentes de sensibilidade, onde a poesia se faz sentida em diversas
obras. Aqui destaco partes do texto de Rubem Alves em seu livro A menina e o
pássaro encantado, com ilustração de Bianca. O texto apresenta o predomínio
do sentipensar, do afetivo e ainda a desconstrução de alguns conceitos.
Aspectos estes tão presentes nas obras deste autor.
No início do livro,
Rubem Alves apresenta orientações para o adulto que pretende ler para a criança.
Inicia dizendo que a história fala sobre separação, momento em que duas pessoas
que, mesmo se amando, têm que dizer adeus.
Continua o autor: ...Esta
estória, eu não inventei. Fiquei triste vendo a tristeza de uma criança que
chorava uma despedida... E a estória simplesmente apareceu dentro de mim, quase
pronta.
Assim, busca abrir espaço
na mente, no coração de quem vai ler e ouvir, buscando ainda estimular seus sentimentos.
Indaga sobre a utilidade da estória, dizendo que por não compreender sua função,
alguns pensam que a estória tem o objetivo de divertir.
Discorda deste
posicionamento, dizendo que elas têm o poder de transfigurar o cotidiano. Elas
chamam as angústias pelos seus nomes e dizem o medo em canções. E por esse
motivo, as histórias são para todas as crianças, as grandes e as pequenas, mas
especialmente a que está dentro de cada um de nós.
E assim começa a história:
Era uma vez uma
menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo. Ele era um pássaro diferente
de todos os demais: era encantado.
E o texto continua
apresentando aspectos bastante estimulantes e tocantes no que se refere
principalmente às emoções.
Em outro trecho o pássaro
partiu:
...Voou que voou, para
lugares distantes. A menina contava os dias, e cada dia que passava, a saudade
crescia. [...] E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e pentear os cabelos
e colocava uma flor na jarra...
'- Nunca se sabe. Pode ser
que ele volte hoje...' [...]. Sem que ela percebesse, o mundo inteiro foi ficando
encantado, como o pássaro.
O texto de Rubem Alves
apresenta aspectos importantes para o desenvolvimento da capacidade imaginativa
e criativa de quem o ouve/lê, com aspectos emotivos que possibilitam criar
novas significações que poderão ser mais que informação.
O aspecto lúdico-sonoro, por
meio das rimas, do ritmo, da aproximação de palavras com semelhança de sons está
presente nas parlendas, nas adivinhações, nos acalantes.
As adivinhações têm origem na
tradição popular, apresentam-se em pequenos versos, como um enigma a ser
resolvido, exigindo atenção para respondê-las, como podemos ver: O que é, o
que é? A mãe é verde, A filha encarnada, A mãe é mansa, A filha é braba. A
resposta nem sempre é fácil como supõe a pessoa proponente da questão, pois
estas surgem de um contexto específico. No caso da adivinhação proposta, a
resposta é "pimenta".
Um desdobramento das
"adivinhações", também denominada de resolução de problemas, apresenta
rimas que estimulam o pensar e a elaboração mental com vista à resolução de uma
questão ou situação apresentada. Como esta: Uma sala tem quatro cantos. Cada
canto tem um macaco. Cada macaco vê três macacos. Quantos macacos têm? Assim,
a poesia permeada do sentipensar é um dos grandes instrumentos para o desenvolvimento infantil.
Finalizo com trechos do poema de Lóris Malaguzzi, As Cem Linguagens da
Criança, permeados de poesia, que alerta e se faz presente na
intencionalidade reflexiva deste texto: poesia, desenvolvimento e
sentipensar...
A criança é feita de
cem.
[...]
A
criança tem
uma
centena de línguas
(E um cem cem cem mais)
mas
eles roubam 99.
A
escola e a cultura
lhe separa a cabeça do
corpo.
[...]
Dizem-lhe:
que
trabalho e lazer
realidade
e fantasia
ciência
e imaginação
o
céu e a terra
razão
e sonho
são
coisas
que
não pertencem juntos.
E
assim eles dizem à criança que o cem não existe. A criança diz: De jeito
nenhum. O cem é lá.
*
Sentipensar, termo criado pelo
prof. Saturnino de La Torre (l997). Indica "o processo mediante o
qual colocamos para trabalhar conjuntamente o pensamento e o sentimento".
Publicado no catálogo Valer infantojuvenil, Editora Valer Ano I, Nº 1, 2014.
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Sônia Peixoto
Você me instigou a ler o libro de Rubem Alves. É Lindo.
ResponderExcluirGrata!!
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